Embora possa ser de grande
ajuda em casos psicodermatológicos e outros, a hipnose é desconhecida da imensa
maioria dos médicos. Atualmente, com o crescimento da procura dos pacientes por
terapias naturais, está aumentando a quantidade de médicos que se interessam
por esta técnica, que foi reconhecida como ato médico pelo parecer no. 42 do Conselho
Federal de Medicina em 20 de agosto de 1999 com o nome hipniatria.
O que é hipnose
Hipnose é um recurso natural, porque estados hipnóticos são
experimentados por todas as pessoas frequentemente sem que saibam que estão
hipnotizadas ou mesmo que se auto-hipnotizaram. É aquela situação descrita como
“sonhar acordado”, em que a pessoa sabe que está aqui e, ao mesmo tempo, está
em outro lugar. Ou quando fica pensativa e “longe” ou quando imerge num livro
durante sua leitura ou ao se projetar num filme ou num profundo envolvimento
afetivo ou quando se deixa levar pela conversa de alguém e chega a fazer coisas
que depois não sabe explicar por que assim agiu, ou na enlevação de uma prece.
A pessoa está consciente, mas é uma
consciência alterada, não a consciência da vigília. É o chamado estado de
transe hipnótico no qual a atenção está orientada mais intensamente para o
interior do que para o exterior, tem uma grande atividade interna sem perder o
estado de alerta, ou seja, estando acordada, conforme Teresa Robles, PhD em psicologia
clínica e hipnoterapeuta ericksoniana (A Evolução da Hipnose – por que a hipnose produz
mudanças tão rápidas – apostila).
Hipnose e mente inconsciente
A hipnose se dirige à mente inconsciente, que é o repositório de todos
os recursos do ser humano e, na verdade, é quem dirige a vida das pessoas. A
mente consciente só consegue processar, a cada momento, de cinco a nove
informações simultâneas. Alguém que assiste a uma palestra numa sala, na qual
há o som de um circulador de ar, ao acompanhar atentamente a exposição do
palestrante deixará de perceber o ruído do aparelho. Isso passará a segundo
plano enquanto ela estiver colocando toda a atenção ao que está sendo exposto e
só se dará conta do ruído de novo no momento em que o circulador parar de
funcionar, quando ficará mais confortável ouvir o palestrante. Ela sabia que
havia o ruído, mas ele não estava mais no seu campo consciente. Assim também
ela sabia que estava numa sala, sabia a temperatura ambiente, sabia que a porta
estava aberta ou fechada, mas essas informações todas, na hora da palestra,
foram para algum lugar não consciente. Não desapareceram, pois, no momento
adequado, elas voltaram para o campo consciente. Portanto, a cada instante trazemos à
consciência somente aquilo que nos interessa, ficando todo o resto no
inconsciente, mas disponível assim que seja necessário.
No estado de vigília, predominam as funções do hemisfério cerebral
esquerdo, onde estão o raciocínio
lógico, a linguagem verbal e a análise em série linear, distinguindo passado,
presente e futuro, o qual mantém a atenção focalizada, pensa e raciocina com
ideias. No hemisfério cerebral direito estão
a imaginação, as cores, as imagens, a
criatividade, o raciocínio sintético, a linguagem simbólica e metafórica, a
subjetividade.
A mente consciente é identificada com o
hemisfério cerebral esquerdo e a mente inconsciente, com o direito.
Na
maior parte do tempo, somos atingidos por mais de dois milhões de bits por segundo de
informação sensorial, segundo o jornalista e consultor de empresas Aldo Novak (O Segredo Para Realizar Seus
Sonhos. Rio de Janeiro: Ediouro, 2008). Não seria possível para o
cérebro absorver e processar todo esse volume de informações. Por isso, elas
são filtradas pela substância ativadora reticular ascendente (SARA), que reduz
tudo isso a 134 bits. É esse processo
que nos permite dirigir nossa mente apenas ao que julgamos mais importante para
nós a cada momento. Se a pessoa está com muita fome, ao andar pela rua ela vai
enxergar preferentemente um restaurante ou lanchonete e não vai se fixar na loja de ferragens, por exemplo.
A mente inconsciente é como o arquivo de tudo o que foi aprendido e
perfaz toda a vida mental, exceto o que está na mente consciente. Todas as
nossas Ações são realizadas sem que precisemos estar atentos a cada pormenor
que as compõe. A simples intenção de realizar determinado ato desencadeia uma
série de acontecimentos no organismo, que levam a sua concretização. Se alguém
tem a intenção de abrir uma porta, no mesmo instante todos os músculos estarão
em condições de realizar contrações e distensões específicas e coordenadas,
para que a pessoa se levante, dirija-se à porta e acione a maçaneta do jeito
certo para abri-la. Ela não está comandando conscientemente cada mínimo
movimento nem cada informação bioquímica, que lhe possibilita funcionar desse
jeito e, no entanto, tudo ocorre do jeito que tem que ser. Alguém ou algo tem a
capacidade de executar as informações na sequencia exata, para que a intenção
se torne um ato. Assim se passa em tudo o que constitui a vida das pessoas.
Ninguém está com plena atenção ao ato de escovar os dentes, tomar banho,
vestir-se, dirigir um carro, escrever, andar de bicicleta, etc. Ao mesmo tempo,
todo o funcionamento do aparelho respiratório, do coração, da tireóide, do
baço, a regulação da pressão arterial, da respiração, da temperatura, do
processo de cicatrização e de todo o
funcionamento orgânico, exceto aqueles que podem, até certo ponto, ser controlados pela vontade, dá-se sem que a pessoa tenha a mínima noção do
que está ocorrendo e do que é preciso para que tudo continue em equilíbrio.
Mais ainda: mesmo ocasionais atitudes de defesa e proteção e eventos curativos,
nunca antes postos em prática, são determinados por algo não consciente. É o
caso de ações que a pessoa realiza sob uma pressão momentânea e, logo em
seguida, espanta-se com o que fez, porque nunca imaginou que tivesse aquela
capacidade nem de onde tirou forças para aquilo. Isso significa que ela tinha
aquele poder e não sabia, ele estava em algum lugar do qual ela não tinha
consciência, mas lá estava armazenado e disponível no momento exato. Por isso,
diz-se que todo comportamento, todo aprendizado e toda mudança são
inconscientes.
Se a mente inconsciente guarda todos esses recursos, qual seria o
alcance de uma técnica que abrisse caminho para que eles fossem utilizados para
a cura? Virtualmente, não haveria limites.
É à mente inconsciente que se
dirige a hipnose clínica com o objetivo de liberar seu conhecimento e seu poder
para benefício da pessoa. Se a mente inconsciente é o acervo de tudo o que o
indivíduo sabe, aprendeu, experimentou e de tudo o que ele é capaz, o único
limite para que o que lá está contido se torne realidade é imposto pelo
raciocínio lógico e pelas crenças da pessoa.
Comprovações fisiológicas
Antes vista com desconfiança pelos médicos, a hipnose tem sido
confirmada como um fato não só psicológico como também biológico pelos avanços
nas pesquisas científicas. Os efeitos da hipnose e da sugestão foram
investigados com o emprego de tomografia por emissão de pósitrons (PET), que
media o fluxo sanguíneo cerebral
regional (rCBF), e por eletrencefalografia (EEG). A hipnose se acompanhou de
aumento significativo de rCBF e atividade delta no EEG claramente
correlacionadas uma com a outra. Aumentos máximos no rCBF também foram
observados na parte caudal do sulco cingulado anterior direito e bilateralmente
nos giros frontais anteriores. A hipnose acompanhada de sugestão produziu ainda amplo aumento no rCBF
nos córtices frontais, predominantemente no esquerdo. Essas evidências forneceram
uma nova descrição da base neurobiológica da hipnose, demonstrando padrões
específicos de ativação cerebral associados ao estado hipnótico e ao
processamento de sugestões hipnóticas, conforme as conclusões dos autores do
estudo (Pierre
Rainville e cols. Cerebral Mechanisms of Hypnotic Induction and Suggestion. J
Cogn Neurosci 1999; 11(1):110-25).
Outra demonstração de que a hipnose produz alterações no cérebro veio à
luz pelo trabalho de Stephen M Kosslyn e cols., da Universidade de Harvard (Hypnotic Visual Illusion
Alters Color Processing in the Brain. Am J psychiatry 2000;157:1279-84). Utilizando um painel que mostrava áreas com
cores diversas e o mesmo painel com as áreas em tons de cinza, os autores
verificaram que, sob hipnose, eram ativadas as áreas que processam cores em
ambos os hemisférios, quando os sujeitos recebiam a sugestão de verem as cores,
mesmo quando lhes era apresentado o painel com tons de cinza. Essas regiões cerebrais tinham sua atividade
diminuída, quando os sujeitos da experiência recebiam a sugestão de que estavam
vendo o painel em tons de cinza, ainda que se lhes apresentasse o painel
colorido. Por meio de tomografia por
emissão de pósitrons ficou evidenciado que, quando os participantes eram
solicitados a perceber cores, vendo-as ou não, ativava-se a área das cores
somente no hemisfério direito, o mesmo ocorrendo, quando lhes era pedido que
vissem os tons de cinza. Entretanto, quando hipnotizados, ambos os hemisférios
responderam igualmente. Portanto, o lado esquerdo só foi ativado sob hipnose.
O caminho da hipnose
A maneira como a hipnose funciona ainda é desconhecida. Pesquisadores
têm indícios de que a formação reticular, situada no tronco cerebral, seria um elo entre a voz do hipnoterapeuta e
o cérebro do paciente. As palavras ouvidas, processadas pelo nervo auditivo,
chegariam à formação reticular e se espalhariam por todo o cérebro, causando
uma concentração da atenção ao atingir o lobo frontal. Na formação reticular, a função de ativação
do córtex e manutenção do estado de vigília é realizada pelo SARA, que possui
conexões recíprocas com o córtex cerebral.
Se o córtex não for ativado pelo SARA, todas as mensagens somestésicas e
estímulos sensoriais que chegam até ele, pelas vias aferentes, permanecerão
inconscientes. Todo estímulo que inibir o SARA provocará um estreitamento da
consciência e deixará aberta a mente inconsciente.
Dispondo desses conhecimentos, a
hipnose é induzida por diversos métodos,
tendo todos em comum os recursos de relaxamento, monotonia, linguagem
repetitiva e redundante, de modo que as informações neurais vindas do exterior
por meio dos órgãos sensoriais deixam de ativar o SARA e, assim, não atingem o
córtex , não sendo mais percebidas conscientemente.
Formas de hipnose clínica
Há várias formas de hipnose clínica, sendo as mais comumente utilizadas
a hipnose clássica, que emprega palavras ou estímulos visuais, a hipnose
ericksoniana, desenvolvida pelo psiquiatra americano Milton H. Erickson, que
usa uma linguagem definida como precisamente vaga, e a hipnose condicionativa,
ensinada pelo hipnoterapeuta Luiz Carlos Crozera, que se baseia no relaxamento
muscular progressivo.
Aplicação em medicina
A hipnose tem um vasto campo de aplicação em medicina com respostas às
vezes muito rápidas. Tudo depende de como o inconsciente da pessoa processa as
sugestões de cura, havendo pessoas mais hipnotizáveis do que outras. Em média, pode-se dizer que 92 por cento das
pessoas é suscetível aos processos hipnóticos.
Em psicodermatologia, a hipnose é basicamente aplicável àquelas
dermatoses com mais influência emocional, como prurido e escoriações
psicogênicas, tricotilomania, psoríase, vitiligo, dermatite atópica, reações a
alimentos e medicamentos, transtorno dismórfico corporal, neurodermite, mas
pode ser virtualmente empregada para qualquer doença adquirida, sendo
proverbiais muitos resultados em verrugas vulgares, um quadro aparentemente
muito suscetível à sugestão. Quem vai operar o processo é a mente inconsciente
e ninguém sabe de tudo o que ela é capaz.
A hipnoterapia
Um trabalho com hipnose consiste numa fase de anamnese muito
pormenorizada, que tem que incluir as experiências positivas e as crenças
facilitadoras do paciente e a mudança que ele quer realizar. Estas orientarão o
rumo do que o médico deverá dizer ao
inconsciente durante o transe, pois as sugestões precisam estar de acordo com o que a pessoa aceita e quer. A sessão
propriamente dita se inicia com uma indução, baseada na atenção à respiração
seguida de um relaxamento profundo,
reduzindo, assim, ao mínimo os estímulos ao SARA. Quando o paciente atinge o
estado de transe, transmitem-se as sugestões de cura, o que pode ser feito por
ordens diretas, metáforas ou palavras de
alto significado para o hemisfério direito, como aprendendo, desfrutando,
saudavelmente, agradavelmente, sendo comum se utilizarem todos os recursos na
mesma sessão. O estado de transe pode ser superficial, médio ou profundo, mas
geralmente o paciente varia o nível várias vezes. Após as sugestões, dão-se
comandos pós-hipnóticos a serem acionados depois da sessão e pelos próximos
dias, semanas ou meses, a fim de perenizar o resultado obtido na sessão. A
seguir, traz-se o paciente de volta para o momento presente instruindo-o a
reter todo o aprendizado da sessão e sentir-se melhor do que antes.Entre o
início e o término de uma sessão decorrem de 20 a 60 minutos e podem ser
necessárias várias sessões, mas, às vezes, espantosamente o paciente consegue o
resultado em uma única sessão.
De modo geral, os pacientes se sentem muito satisfeitos, calmos e
relaxados após uma sessão de hipnose e ficam muito agradecidos a quem a
realizou pela prazerosa experiência que tiveram.
Conclusão
Em conclusão:
1. hipnose
é um recurso ao alcance de quem se interessar em ampliar sua
capacidade de
auxiliar seus pacientes;
2. o
mecanismo da hipnose não é conhecido, mas seus resultados são evidentes e seus
efeitos biológicos comprovados;
3. muitos
quadros clínicos, para os quais os recursos médicos são limitados,
podem beneficiar-se
da hipnose;
4. a
hipnose aplicada por pessoas preparadas é compensadora para quem
aplica e muito
agradável para quem recebe;
5. qualquer
médico está autorizado pelo CFM a trabalhar com hipnose,
desde que tenha
formação adequada e experiência na técnica.
Roberto Azambuja
Hospital Universitário de Brasília
robertodoglia@gmail.com
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