terça-feira, 12 de novembro de 2013

Hipnose clínica: possibilidades em psicodermatologia


   Embora possa ser de grande ajuda em casos psicodermatológicos e outros, a hipnose é desconhecida da imensa maioria dos médicos. Atualmente, com o crescimento da procura dos pacientes por terapias naturais, está aumentando a quantidade de médicos que se interessam por esta técnica, que foi reconhecida como ato médico pelo parecer no. 42 do Conselho Federal de Medicina em 20 de agosto de 1999 com o nome hipniatria.

 

O que é hipnose

   Hipnose é um recurso natural, porque estados hipnóticos são experimentados por todas as pessoas frequentemente sem que saibam que estão hipnotizadas ou mesmo que se auto-hipnotizaram. É aquela situação descrita como “sonhar acordado”, em que a pessoa sabe que está aqui e, ao mesmo tempo, está em outro lugar. Ou quando fica pensativa e “longe” ou quando imerge num livro durante sua leitura ou ao se projetar num filme ou num profundo envolvimento afetivo ou quando se deixa levar pela conversa de alguém e chega a fazer coisas que depois não sabe explicar por que assim agiu, ou na enlevação de uma prece. A pessoa  está consciente, mas é uma consciência alterada, não a consciência da vigília. É o chamado estado de transe hipnótico no qual a atenção está orientada mais intensamente para o interior do que para o exterior, tem uma grande atividade interna sem perder o estado de alerta, ou seja, estando acordada,  conforme Teresa Robles, PhD em psicologia clínica e hipnoterapeuta ericksoniana (A Evolução da Hipnose – por que a hipnose produz mudanças tão rápidas – apostila).

 

Hipnose  e mente inconsciente

   A hipnose se dirige à mente inconsciente, que é o repositório de todos os recursos do ser humano e, na verdade, é quem dirige a vida das pessoas. A mente consciente só consegue processar, a cada momento, de cinco a nove informações simultâneas. Alguém que assiste a uma palestra numa sala, na qual há o som de um circulador de ar, ao acompanhar atentamente a exposição do palestrante deixará de perceber o ruído do aparelho. Isso passará a segundo plano enquanto ela estiver colocando toda a atenção ao que está sendo exposto e só se dará conta do ruído de novo no momento em que o circulador parar de funcionar, quando ficará mais confortável ouvir o palestrante. Ela sabia que havia o ruído, mas ele não estava mais no seu campo consciente. Assim também ela sabia que estava numa sala, sabia a temperatura ambiente, sabia que a porta estava aberta ou fechada, mas essas informações todas, na hora da palestra, foram para algum lugar não consciente. Não desapareceram, pois, no momento adequado, elas voltaram para o campo consciente.  Portanto, a cada instante trazemos à consciência somente aquilo que nos interessa, ficando todo o resto no inconsciente, mas disponível assim que seja necessário.

   No estado de vigília, predominam as funções do hemisfério cerebral esquerdo, onde estão  o raciocínio lógico, a linguagem verbal e a análise em série linear, distinguindo passado, presente e futuro, o qual mantém a atenção focalizada, pensa e raciocina com ideias.  No hemisfério cerebral direito estão a imaginação, as cores, as imagens,  a criatividade, o raciocínio sintético, a linguagem simbólica e metafórica, a subjetividade.

    A mente consciente é identificada com o hemisfério cerebral esquerdo e a mente inconsciente, com o direito.

   Na maior parte do tempo, somos atingidos por  mais de dois milhões de bits por segundo de informação sensorial, segundo o jornalista e consultor de empresas Aldo Novak (O Segredo Para Realizar Seus Sonhos. Rio de Janeiro: Ediouro, 2008). Não seria possível para o cérebro absorver e processar todo esse volume de informações. Por isso, elas são filtradas pela substância ativadora reticular ascendente (SARA), que reduz tudo isso a 134 bits.  É esse processo que nos permite dirigir nossa mente apenas ao que julgamos mais importante para nós a cada momento. Se a pessoa está com muita fome, ao andar pela rua ela vai enxergar preferentemente um restaurante ou lanchonete e não vai se fixar  na loja de ferragens, por exemplo.

  A mente inconsciente é como o arquivo de tudo o que foi aprendido e perfaz toda a vida mental, exceto o que está na mente consciente. Todas as nossas Ações são realizadas sem que precisemos estar atentos a cada pormenor que as compõe. A simples intenção de realizar determinado ato desencadeia uma série de acontecimentos no organismo, que levam a sua concretização. Se alguém tem a intenção de abrir uma porta, no mesmo instante todos os músculos estarão em condições de realizar contrações e distensões específicas e coordenadas, para que a pessoa se levante, dirija-se à porta e acione a maçaneta do jeito certo para abri-la. Ela não está comandando conscientemente cada mínimo movimento nem cada informação bioquímica, que lhe possibilita funcionar desse jeito e, no entanto, tudo ocorre do jeito que tem que ser. Alguém ou algo tem a capacidade de executar as informações na sequencia exata, para que a intenção se torne um ato. Assim se passa em tudo o que constitui a vida das pessoas. Ninguém está com plena atenção ao ato de escovar os dentes, tomar banho, vestir-se, dirigir um carro, escrever, andar de bicicleta, etc. Ao mesmo tempo, todo o funcionamento do aparelho respiratório, do coração, da tireóide, do baço, a regulação da pressão arterial, da respiração, da temperatura, do processo de cicatrização  e de todo o funcionamento orgânico, exceto aqueles que podem, até certo ponto,  ser controlados pela vontade,  dá-se sem que a pessoa tenha a mínima noção do que está ocorrendo e do que é preciso para que tudo continue em equilíbrio. Mais ainda: mesmo ocasionais atitudes de defesa e proteção e eventos curativos, nunca antes postos em prática, são determinados por algo não consciente. É o caso de ações que a pessoa realiza sob uma pressão momentânea e, logo em seguida, espanta-se com o que fez, porque nunca imaginou que tivesse aquela capacidade nem de onde tirou forças para aquilo. Isso significa que ela tinha aquele poder e não sabia, ele estava em algum lugar do qual ela não tinha consciência, mas lá estava armazenado e disponível no momento exato. Por isso, diz-se que todo comportamento, todo aprendizado e toda mudança são inconscientes.

   Se a mente inconsciente guarda todos esses recursos, qual seria o alcance de uma técnica que abrisse caminho para que eles fossem utilizados para a cura? Virtualmente, não haveria limites.

   É  à mente inconsciente que se dirige a hipnose clínica com o objetivo de liberar seu conhecimento e seu poder para benefício da pessoa. Se a mente inconsciente é o acervo de tudo o que o indivíduo sabe, aprendeu, experimentou e de tudo o que ele é capaz, o único limite para que o que lá está contido se torne realidade é imposto pelo raciocínio lógico e pelas crenças da pessoa.

 

Comprovações fisiológicas

   Antes vista com desconfiança pelos médicos, a hipnose tem sido confirmada como um fato não só psicológico como também biológico pelos avanços nas pesquisas científicas. Os efeitos da hipnose e da sugestão foram investigados com o emprego de tomografia por emissão de pósitrons (PET), que media o fluxo sanguíneo  cerebral regional (rCBF), e por eletrencefalografia (EEG). A hipnose se acompanhou de aumento significativo de rCBF e atividade delta no EEG claramente correlacionadas uma com a outra. Aumentos máximos no rCBF também foram observados na parte caudal do sulco cingulado anterior direito e bilateralmente nos giros frontais anteriores. A hipnose acompanhada de  sugestão produziu ainda amplo aumento no rCBF nos córtices frontais, predominantemente no esquerdo. Essas evidências forneceram uma nova descrição da base neurobiológica da hipnose, demonstrando padrões específicos de ativação cerebral associados ao estado hipnótico e ao processamento de sugestões hipnóticas, conforme as conclusões dos autores do estudo (Pierre Rainville e cols. Cerebral Mechanisms of Hypnotic Induction and Suggestion. J Cogn Neurosci   1999; 11(1):110-25).

   Outra demonstração de que a hipnose produz alterações no cérebro veio à luz pelo trabalho de Stephen M Kosslyn e cols., da Universidade de Harvard (Hypnotic Visual Illusion Alters Color Processing in the Brain. Am J psychiatry  2000;157:1279-84).  Utilizando um painel que mostrava áreas com cores diversas e o mesmo painel com as áreas em tons de cinza, os autores verificaram que, sob hipnose, eram ativadas as áreas que processam cores em ambos os hemisférios, quando os sujeitos recebiam a sugestão de verem as cores, mesmo quando lhes era apresentado o painel com tons de cinza.  Essas regiões cerebrais tinham sua atividade diminuída, quando os sujeitos da experiência recebiam a sugestão de que estavam vendo o painel em tons de cinza, ainda que se lhes apresentasse o painel colorido. Por meio de  tomografia por emissão de pósitrons ficou evidenciado que, quando os participantes eram solicitados a perceber cores, vendo-as ou não, ativava-se a área das cores somente no hemisfério direito, o mesmo ocorrendo, quando lhes era pedido que vissem os tons de cinza. Entretanto, quando hipnotizados, ambos os hemisférios responderam igualmente. Portanto, o lado esquerdo só foi ativado sob hipnose.

 

O caminho da hipnose

   A maneira como a hipnose funciona ainda é desconhecida. Pesquisadores têm indícios de que a formação reticular, situada no tronco cerebral,  seria um elo entre a voz do hipnoterapeuta e o cérebro do paciente. As palavras ouvidas, processadas pelo nervo auditivo, chegariam à formação reticular e se espalhariam por todo o cérebro, causando uma concentração da atenção ao atingir o lobo frontal.  Na formação reticular, a função de ativação do córtex e manutenção do estado de vigília é realizada pelo SARA, que possui conexões recíprocas com o córtex cerebral.  Se o córtex não for ativado pelo SARA, todas as mensagens somestésicas e estímulos sensoriais que chegam até ele, pelas vias aferentes, permanecerão inconscientes. Todo estímulo que inibir o SARA provocará um estreitamento da consciência e deixará aberta a mente inconsciente.

   Dispondo desses conhecimentos,  a hipnose é induzida  por diversos métodos, tendo todos em comum os recursos de relaxamento, monotonia, linguagem repetitiva e redundante, de modo que as informações neurais vindas do exterior por meio dos órgãos sensoriais deixam de ativar o SARA e, assim, não atingem o córtex , não sendo mais percebidas conscientemente.

 

Formas de hipnose clínica

   Há várias formas de hipnose clínica, sendo as mais comumente utilizadas a hipnose clássica, que emprega palavras ou estímulos visuais, a hipnose ericksoniana, desenvolvida pelo psiquiatra americano Milton H. Erickson, que usa uma linguagem definida como precisamente vaga, e a hipnose condicionativa, ensinada pelo hipnoterapeuta Luiz Carlos Crozera, que se baseia no relaxamento muscular progressivo.

 

Aplicação em medicina

   A hipnose tem um vasto campo de aplicação em medicina com respostas às vezes muito rápidas. Tudo depende de como o inconsciente da pessoa processa as sugestões de cura, havendo pessoas mais hipnotizáveis do que outras.  Em média, pode-se dizer que 92 por cento das pessoas é suscetível aos processos hipnóticos.     

   Em psicodermatologia, a hipnose é basicamente aplicável àquelas dermatoses com mais influência emocional, como prurido e escoriações psicogênicas, tricotilomania, psoríase, vitiligo, dermatite atópica, reações a alimentos e medicamentos, transtorno dismórfico corporal, neurodermite, mas pode ser virtualmente empregada para qualquer doença adquirida, sendo proverbiais muitos resultados em verrugas vulgares, um quadro aparentemente muito suscetível à sugestão. Quem vai operar o processo é a mente inconsciente e ninguém sabe de tudo o que ela é capaz.

 

A hipnoterapia

   Um trabalho com hipnose consiste numa fase de anamnese muito pormenorizada, que tem que incluir as experiências positivas e as crenças facilitadoras do paciente e a mudança que ele quer realizar. Estas orientarão o rumo do que o médico   deverá dizer ao inconsciente durante o transe, pois as sugestões precisam estar de acordo  com o que a pessoa aceita e quer. A sessão propriamente dita se inicia com uma indução, baseada na atenção à respiração seguida de  um relaxamento profundo, reduzindo, assim, ao mínimo os estímulos ao SARA. Quando o paciente atinge o estado de transe, transmitem-se as sugestões de cura, o que pode ser feito por ordens diretas,  metáforas ou palavras de alto significado para o hemisfério direito, como aprendendo, desfrutando, saudavelmente, agradavelmente, sendo comum se utilizarem todos os recursos na mesma sessão. O estado de transe pode ser superficial, médio ou profundo, mas geralmente o paciente varia o nível várias vezes. Após as sugestões, dão-se comandos pós-hipnóticos a serem acionados depois da sessão e pelos próximos dias, semanas ou meses, a fim de perenizar o resultado obtido na sessão. A seguir, traz-se o paciente de volta para o momento presente instruindo-o a reter todo o aprendizado da sessão e sentir-se melhor do que antes.Entre o início e o término de uma sessão decorrem de 20 a 60 minutos e podem ser necessárias várias sessões, mas, às vezes, espantosamente o paciente consegue o resultado em uma única sessão.

   De modo geral, os pacientes se sentem muito satisfeitos, calmos e relaxados após uma sessão de hipnose e ficam muito agradecidos a quem a realizou pela prazerosa experiência que tiveram.

 

Conclusão

   Em conclusão:

1.      hipnose é um recurso ao alcance de quem se interessar em ampliar sua

capacidade de auxiliar seus pacientes;

2.      o mecanismo da hipnose não é conhecido, mas seus resultados são evidentes e seus efeitos biológicos comprovados;

3.      muitos quadros clínicos, para os quais os recursos médicos são limitados,

podem beneficiar-se da hipnose;

4.      a hipnose aplicada por pessoas preparadas é compensadora para quem

aplica e muito agradável para quem recebe;

5.      qualquer médico está autorizado pelo CFM a trabalhar com hipnose,

desde que tenha formação adequada e experiência na técnica.               

 

 

Roberto Azambuja

Hospital Universitário de Brasília

robertodoglia@gmail.com

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