quarta-feira, 19 de junho de 2013

O Médico Estressado


Roberto Azambuja
Hospital Universitário de Brasília
 
O organismo humano, em condições ótimas, é dotado de equilíbrio interno, que o fisiologista americano Walter Cannon denominou homeostasia. Fatores externos e internos podem romper esse equilíbrio, levando-o a um gasto energético para se adaptar à nova situação, estado que o pesquisador vienense Hans Selye chamou estresse.
   O estresse é um mecanismo natural de sobrevivência do organismo e ocorre em situações que são interpretadas pelo cérebro como ameaçadoras à vida. Se a situação for superada, o organismo se recupera do esforço e volta ao normal sem alterações. Isso é causado por condições ambientais inóspitas ou desagradáveis ou por interpretação mental das condições externas de curta duração.
   As condições agressivas ao organismo podem, no entanto, prolongar-se por longo tempo e exigir um esforço permanente. Esse estado faz surgir o estresse crônico, que, diferentemente do agudo, não é natural, é altamente lesivo ao organismo, desequilibra os sistemas imunológico, nervoso e endócrino e facilita a instalação de doenças. No mais das vezes, o estresse crônico é produto de percepção equivocada ou distorcida de fatos externos, outras vezes é consequência de acontecimentos geradores de tensão pela sua própria natureza.
   Pelo tipo de vida atual, as pessoas todas estão sujeitas aos efeitos do estresse crônico, que são as mais prejudiciais para a saúde humana. Na verdade, segundo inúmeros estudos, o estresse crônico está na origem de setenta por cento das doenças mais comuns, aquelas que enchem os ambulatórios e os consultórios médicos.
   O profissional médico, desde sua entrada na faculdade, é submetido a alta carga de estresse; por isso, deveria ter conhecimento amplo sobre essa situação e sobre os efeitos extremamente graves  que ela traz sobre sua saúde física e mental. O físico Fritjof Capra (O Ponto de Mutação. Ed. Cultrix, 1986) afirma:
“A expectativa de vida entre os médicos é de dez a quinze anos menos que a media da população e eles apresentam elevadas taxas de doenças físicas além de altos índices de alcoolismo, abuso de drogas, suicídio e outras doenças sociais. A maioria dos médicos adota essas atitudes não saudáveis logo no início do curso de medicina no qual seu treinamento foi planejado para ser uma experiência extremamente estressante.
Embora provoquem estresse, as escolas de medicina não se preocupam em ensinar a seus estudantes como enfrentá-lo. Essa carga de estresse é agravada pelo fato de que os médicos têm que lidar continuamente com pessoas em estado de grande ansiedade ou profunda depressão, o que aumenta a intensidade do seu trabalho cotidiano. Como eles são treinados dentro de um modelo de saúde e de doença em que as forças emocionais não desempenham papel algum são propensos a ignorá-las em sua própria vida”.
   Brian W. Mc Laughlin e colaboradores (Stress biomarkers in medical students participating in a mind body medicine skills program . Acessado em http://ecam.oxfordjournals.org em 8/1/2011) informam:
Um estudo na Nova Zelândia, encontrou que 28% de estudantes relatou altos níveis de exaustão emocional e despersonalização ou baixa realização pessoal, que são componentes da síndrome do burnout. Está bem documentado que o estresse em médicos começa antes do início de suas carreiras profissionais; altos níveis de estresse são relatados entre estudantes de graduação e doutorandos. Uma revisão por Dyrbe et al. salientou os muitos estressores únicos da escola de medicina, que vão do grande volume de trabalho a conflitos éticos e exposição ao sofrimento humano e à morte. Esses estressores podem conduzir ao prejuízo no desempenho acadêmico, cinismo, desonestidade acadêmica, abuso de drogas e mesmo ao suicídio.
O bem-estar do profissional poderia ser favorecido pela promoção da autoconsciência e do autocuidado, que seriam conseguidos pela prática da medicina mente-corpo. A medicina mente-corpo leva em consideração a conexão entre mente e corpo e seu efeito na saúde geral”.
   Merry N. Miller e K. Ramsey Mcgowen (The painful truth: physicians are not invincible. South Med J  2000;93(10):966-72) afirmam:
Autocuidado entre médicos não é uma questão  geralmente incluída como parte do treinamento profissional nem é um assunto que prontamente receba consideração na prática médica. Os estresses da prática profissional podem cobrar grande tributo, contudo, e a autonegligência pode levar a consequências trágicas. Em algumas áreas, particularmente a da taxa de suicídios, os médicos têm vulnerabilidade aumentada e, em outras áreas, problemas podem passar não reconhecidos (depressão, abuso de substâncias, problemas conjugais e outros eventos relacionados ao estresse”.
   No organismo afetado pelo estresse crônico, passam-se inúmeros fenômenos lesivos ao seu equilíbrio e à saúde: aumento da produção de cortisol pelas supra-renais e conseqüente diminuição da função imunógica e facilitação de doenças infecciosas, alérgicas, autoimunes e degenerativas; aumento da produção de hormônios da tireóide  e instalação de hipo ou hipertireoidismo; aumento da produção de endorfinas e falta de seu efeito analgésico por esgotamento; diminuição dos hormônios sexuais com o efeito de redução da libido, impotência e frigidez; espasmo e paralisação dos órgãos digestivos, ressecamento da boca e sintomas de náuseas, má digestão, inchação do estômago; liberação de glicose no sangue e aumento da insulina; aumento do nível de colesterol com possibilidade de incremento na formação de trombos nas artérias; aceleração da frequência cardíaca, cansaço fácil, sensação de respiração curta, aumento dos efeitos da adrenalina e da coagulação sanguínea, constrição das coronárias; aumento rápido da tensão arterial e tendência a hipertensão; respiração rápida e superficial com deficiência na oxigenação dos tecidos; aumento dos glóbulos vermelhos no sangue e de fatores de coagulação, levando a aumento da coagulabilidade e isquemias; aumento da sudorese na pele e diminuição do suprimento de sangue com consequente diminuição da resistência da pele; vasoconstrição por aumento de adrenalina e noradrenalina com elevação da tensão arterial.
   Esses fatos, mantidos por longo tempo ou renovados em tempos curtos, abre caminho para inúmeras doenças: hipertensão arterial, arritmia, infarto do miocárdio, diminuição da memória, aterosclerose dos vasos cerebrais, acidente vascular encefálico, cefaléias por tensão, crises de enxaqueca, gastrite, úlcera péptica, doenças inflamatórias dos intestinos, colites, diarréias crônicas, constipação intestinal, disfagia, envelhecimento precoce da pele, eritemas, queda de cabelos, vitiligo, psoríase, neurodermite, escoriações psicogênicas, distúrbios sexuais, crises de asma e bronquite, sobrepeso, obesidade, deficiência da função de células NK, doenças tireoideanas, insônia, sono entrecortado, sono excessivo, astenia, dores musculares, fadiga crônica, dores lombares e outras, conforme a pessoa.
   Tudo isso se acompanha de  alterações comportamentais: esquecimentos, que levam a erros e acidentes; descontrole emocional, responsável por atos e palavras desproporcionais aos estímulos externos das quais decorrem conflitos no trabalho e na família; cansaço, sono perturbado, dificuldades sexuais; para compensar, o médico estressado aumenta a carga de trabalho, de onde vem esgotamento, ou deriva para “relaxantes” mais prejudiciais, como álcool, tabaco e drogas; termina com depressão e, em casos extremos, suicídio.
   Pela magnitude comprovada de seus efeitos seria de esperar-se que as escolas médicas dessem grande atenção ao estresse e lhe reservassem um espaço na grade curricular, de modo que os profissionais fossem capacitados para cuidar de si mesmos  e secundariamente  dos pacientes. Afinal,  eles se defrontam com relatos de eventos estressantes em cada atendimento, os quais estão ligados às queixas físicas dos pacientes. De modo geral, essa atenção não é dada e os médicos vivem com estresse sem se dar conta disso, achando que é assim mesmo, ou sem saber o que fazer para sair dele. Quanto aos pacientes, os médicos ou ignoram suas queixas sobre estresse ou se limitam a dar conselhos inexequíveis, como: não esquente a cabeça.
   Algumas escolas médicas, entretanto, estão atentas para a situação vivida pelos alunos e residentes e procuram conscientizá-los e dar-lhes recursos para manter a própria saúde diante das situações estressantes, que fazem parte da atividade médica. Em editorial no Canadian Medical Association Journal, Bruce P. Squires (CMAJ 1989;140:18-19) propõe que educadores médicos e diretores de programas de pós-graduação implementem e avaliem programas para ajudar estudantes e residentes a aprender a lidar com o estresse. E diz que não é mais aceitável supor que o estresse contínuo vai ensinar a maioria dos estudantes a se adaptar.
   A Faculdade de Medicina de Harvard, pelo seu departamento de educação continuada, e o Mind/Body Medical Institute, do Beth Israel Deaconess Medical Center ministram, desde 1989, sob orientação do cardiologista Dr. Herbert Benson um curso sobre estresse cujo currículo inclui instrução em técnicas  geradoras  da resposta de relaxamento, nutrição, exercícios antiestresse, recursos para lidar com o estresse, identificação de estressores pessoais, comunicação eficiente, clarificação de valores e estabelecimento de metas. Estudos controlados mostraram que os estudantes que seguem esse programa aumentam sua autoestima, são menos influenciáveis por seus colegas e têm mais autoconsciência e ainda desenvolvem habilidades que os auxiliam nas sua vida pessoal e acadêmica.
   No Georgetown University Medical Center é dado um programa eletivo para autocuidados e autoconsciência. O programa de habilidades em medicina mente-corpo consiste de sessões em grupo durante onze semanas, que são baseadas em técnicas e vivências, acompanhadas de discussões. As sessões incluem treinamento autógeno, biofeedback, técnica de visualização, registro de diário para conscientização e meditação. Os condutores do programa colhem saliva dos estudantes para dosagem de cortisol e sangue para dosagem de testosterona e S-DHEA para comparação com grupo controle (Brian W. Mclauglin, artigo citado).
   Pela enorme influência do estresse na geração de doenças, todos os médicos deveriam estar inteirados do seu papel e conhecer maneiras de proteger a si mesmo das suas consequências  e de orientar os pacientes no mesmo sentido. Técnicas simples e naturais, como respiração consciente, relaxamento muscular, automassagem e meditação, são capazes de exercer um efeito preventivo de grande alcance, se praticadas regularmente.